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Acidente de trânsito causado pelo locatário

20/07/2023 - Dra. Laiana Maria Bosco - Advogada OAB/PR n. 103.863

Dispõe a Súmula 492 do Supremo Tribunal Federal que: “A empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados à terceiro, no uso do carro locado.”

O Enunciado citado, aprovado em 1969, foi elaborado com base em três Recursos Extraordinários – RE 60477, RE 62247 e RE 63562, julgados respectivamente em 1966, 1967 e 1968.

Nota-se que os julgamentos supramencionados foram realizados na década de 60, época em que a atividade de locação de veículo começou a ganhar impulso no Brasil.

Ou seja, a edição da Súmula que entende pela responsabilização das locadoras, foi baseada em fatos ocorridos no momento em que as empresas de locação estavam em sua fase inicial de desenvolvimento, utilizando uma dinâmica que nem se compara aos negócios realizados atualmente.

Hoje em dia, as empresas atuantes no ramo de locação de veículos automotores adotam uma prática completamente distinta daquela aplicada no início da atividade. Além do excelente padrão dos veículos utilizados nas frotas, há ainda, a cautela na hora da celebração do contrato.

Em todos os casos, são observados e respeitados diversos dados, principalmente no tocante a habilitação dos locatários e até, em sua capacidade financeira, histórico judicial, preenchimento de formalidades, entre outros.

É possível afirmar, sem sombra de dúvidas, que as locadoras de veículos passaram por grande expansão e desenvolvimento, desde sua implantação até os dias atuais, ao passo que o entendimento adotado nas ações de indenização está parado no tempo.

Desde a sua publicação, em 1969, a Súmula do STF vem sendo utilizada de forma indiscriminada em todas demandas envolvendo acidente de trânsito, com automóvel locado e condenando as empresas locadoras de veículos ao pagamento de indenização, independentemente da análise do caso concreto.

Não é plausível, ainda que a locadora seja proprietária do veículo, que esta seja responsabilizada por um ato praticado única e exclusivamente pelo locatário, se a mesma não agiu com dolo ou culpa na ocorrência do acidente.

Há a necessidade de que o Magistrado realmente verifique se a empresa de fato possui responsabilidade solidária na demanda, e não simplesmente aplique o precedente sem a análise pormenorizada da situação fática.

Diferentemente das situações em que o veículo apresenta algum defeito mecânico ou quando, por exemplo, o contrato foi celebrado com pessoa não
habilitada – como é caso, inclusive do RE 60477, utilizado na elaboração da Súmula – a responsabilização da locadora não deve ser aplicada aos sinistros em geral.

Somente deve ser determinada a condenação da locadora, quando efetivamente houver responsabilidade pelo fato e não em todas as situações, como vem ocorrendo há mais de 50 anos, desde a publicação da Súmula.

É inviável que este entendimento, consolidado em um período completamente diferente do atual, permaneça sendo utilizado, desrespeitando a evolução da legislação e do negócio em si.

Desta forma, conclui-se, que a Súmula 492, STF deve ser urgentemente revista, com a elaboração de um novo Enunciado, para fins de adoção pelos Tribunais, ou ainda, que haja uma regulamentação legal acerca do tema, de modo a corrigir estes equívocos e discricionariedades.

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